Maneirismo

Movimento estético europeu, que marca, a par do renascimento, um afastamento consciente dos modelos clássicos, e que decorre entre a segunda metade do século XVI e a primeira metade do século XVII, nascido primeiro em Florença e Roma e depois estendido a outros países europeus. O maneirismo (do italiano maniera, a maneira ou estilo de um artista) traduzia a marca estética de um artista. A maniera de pintar de Miguel Ângelo, Leonardo da Vinci e Rafael tornara-se um paradigma para toda a pintura europeia. O termo também servia para designar um estilo de época e não apenas uma estética individual, como na expressão maniera greca. "O Juízo Final", fresco executado por Miguel Ângelo para a parede da Capela Sistina (1534-41), representou uma das primeiras pinturas no espírito da Contra-Reforma e anunciava já uma espiritualidade que fugia ao cânone clássico renascentista. Exigia-se agora renovar essa forma de pintar, imitando a maniera dos mestres anteriores, o que será tentado por génios como os italianos Carracci, Caravaggio e Tintoretto e o espanhol el Greco. É num momento de crise cultural que a Europa que a arte procura novas formas de expressão para além das convenções clássicas que o renascimento havia consagrado. A sensibilidade artística maneirista exigia uma maior liberdade de movimentos para que as tensões do espírito, as convições religiosas mais profundas e os sentimentos mais arrebatados pudessem também ser objecto de inspiração, num momento em que a Europa se encontrava dividida pelos efeitos da reforma luterana e em que o homem não mais se apresenta como a única grandeza a glorificar. O caminho escolhido foi o da estilização exagerada, ou uma forma de levar a maniera ao extremo da sua representação, abandonando as linhas harmoniosas impostas pelo estilo vigente, criando labirintos, espirais e proporções inesperadas. O regresso aos ângulos e aos alogamentos das figuras que distinguiram o estilo gótico é outra das marcas do maneirismo, como observou Georg Weise, que recusa a tradicional acepção de uma única tendência para o exagero das formas e afectação dos temas. A arquitectura privilegia agora a construção de igrejas amplas, de plano longitudinal, e descobrindo novas formas de distribuição da luz e da decoração. Na escultura, o maneirismo parte da maniera de Miguel Ângelo, para lhe acrescentar um novo conceito intelectual da arte pela arte e para permitir o distanciamento da realidade observada. O exagero no detalhes das composições maneiristas já anuncia aquilo que será a estética barroca, que se afirmará por volta de 1600, e remetendo o maneirismo à condição de estética decadente, cuja notoriedade só o século XX vai redescobrir.

Os estudiosos do maneirismo dividem-se entre os que o consideram um movimento de transição entre o renascimento e o barroco e os que preferem defini-lo como um movimento autónomo, com regras próprias. Na literatura, é evidente que o Camões das Rimas trabalha um estilo diferente, marcado pela conceptualização, pela afectação das ideias e pelo fingimento poético. Sonetos bem conhecidos como Amor é fogo que arde sem se ver ilustram bem a estética maneirista, muito estigmatizada pelos desgostos de amor, pela desilusão da vida, pelos infortúnios pessoais e por constantes sofrimentos íntimos que parecem ser a única fonte de inspiração dos poetas. O poeta maneirista é um vencido da vida. Perdeu a esperança no futuro e no progresso e só se compraz na dor do amor nunca realizado. Esta nota pessimista que se lê em muitos poemas não é explicável fora do contexto político, religioso e social que se vivia na Europa após a Contra-Reforma.

Os estudos literários só vão prestar atenção ao maneirismo a partir do estudo fundamental de Ernst Robert Curtius (Literatura Europeia e Idade Média Latina, Bern, 1948; Rio de Janeiro, 1957), que o considera não um período estático da história literária mas antes uma espécie de paradigma documentável ao longo dos tempos: “O que é toda a obra de James Joyce senão uma gigantesca experiência maneirística? O trocadilho (pun) é um dos seus pilares de sustentação. Quanto maneirismo há em Mallarmé, e quão de perto o maneirismo toca o hermetismo da poesia contemporânea!” (Literatura Europeia e Idade Média Latina, trad. de Paulo Rónai e Teodoro Cabral, EDUSP, São Paulo, 1996, p. 374). A tese maneirista de Curtius é tão abrangente como a tese de Eugenio d’Ors para o barroco: não falamos de períodos literários definidos com exactidão na linha do tempo, mas falamos de paradigmas intemporais que se podem manifestar em qualquer artista de qualquer época. Estas teses valeram aos seus autores severas críticas, porque intepretam as estéticas literárias como a pura soma de estilos ou linguagens que se repetem como um padrão em autores de épocas distintas. Aguiar e Silva, no seu estudo doutoral sobre o maneirismo na lírica portuguesa, observa que “a caracterização do maneirismo estabelecida por Curtius apresenta outro grave erro metodológico no estudo de um estilo ou de um período literários: restringe-se a factos de estilo, considerados em abstracto, sem os relacionar com valores humanos de qualquer espécie (religiosos, éticos, existenciais).” (Maneirismo e Barroco na Poesia Lírica Portuguesa, Centro de Estudos Românicos, Coimbra, 1971, p.11). O trabalho de Aguiar e Silva para recuperar o lugar devido do maneirismo, tanto dentro da teorização literária como na história literária portuguesa, foi já uma resposta positiva a um desafio antes tentado por Jorge de Sena no princípio da década de 1960, quando reclamou um lugar próprio para o maneirismo, cujos intérpretes, na literatura portuguesa seriam: “primacialmente Camões, o Soropita que foi o primeiro a editar-lhe as "rimas," Vasco Mousinho de Quevedo, Manuel da Veiga Tagarro, Balta­zar Estaco, Francisco de Andrade, Jerónimo Corte Real, Luís Pereira Brandão, Fernão Álvares do Oriente, Pêro da Costa Perestrelo, Eloi de Sá Soto Maior, Diogo Bemardes, André Falcão de Rezende, Fr. Bernardo de Brito, Rodrigues Lobo, Fr. Agostinho da Cruz. E D. Francisco Manuel de Melo, amigo de Quevedo, será, em pleno barroquismo de que é alto expoente, o último dos maneiristas também.”


O Maneirismo português


O Maneirismo português começou em meados do séc. XVI até ao início do séc. XVIII.

O Maneirismo foi um estilo e um movimento artístico europeu de retoma de certas expressões da cultura medieval que, aproximadamente os anos de entre 1515 e 1610, constituíram manifesta reação contra os valores clássicos prestigiados pelo humanismo renascentista. O termo surge da expressão a maniera de, usada para se referir a artistas que faziam questão de imprimir certas marcas individuais em suas obras e procuravam efeitos bizarros que já apontam para a arte moderna, como o alongamento das figuras humanas e os pontos de vista inusitados.

Como sempre decorreu na história da arte portuguesa, foi devido a influências externas que este movimento se desenvolveu em Portugal. Em relação ao Maneirismo, houve dois factores fundamentais: os tratados de Vignola e Serlio que forneciam uma ampla informação das ideias principais do movimento; e a difusão do modelo da igreja jesuíta, funcional, de linhas simples, pela Companhia de Jesus. Fontes de inspiração italianas, francesas, flamengas e castelhanas também colheram-se de artistas nacionais na Itália, como Francisco de Holanda, etc., na presença de mestres estrangeiros, como Chanterene, etc., na circulação de quadros e gravuras especialmente flamengas (Cornelius, etc.), na edição de Tratados (Medidas del Romano, etc.) na divulgação dos ensinos teóricos de Herrera, de Palladio, etc., e nos motivos ornamentais das artes gráficas.

Após o Alto Renascimento, aparece o primeiro Maneirismo arquitectónico na reconstrução da capela dos Jerónimos (1540-41, Diogo de Torralva), no claustro principal do convento de Tomar, etc. Aparece depois a igreja de São Vicente de Fora, em Lisboa (1582, Filippo Terzi), edifício dominante do século XVII, durante o qual se construiram numerosos templos maneiristas: Sé Nova de Coimbra, de Baltasar Álvares, São Bento no Porto, de Diogo Marques. Genericamente, a arquitectura do exterior apresenta sobriedade, contrapondo-se a um interior extravagante decorado com azulejos, talha dourada em escultóricos altares, no caso das igrejas, nos palácios por baixelas, faianças porcelanas e mobiliário. Na Índia constróem-se a Catedral de Velha Goa (1597-1631) e a igreja da Graça (1597-1602) e em Macau a igreja inaciana, de directa inspiração italiana.

O Maneirismo português percorreu três etapas fundamentais de evolução que são: a inicial, onde são absorvidos os modelos de influência italiana; a do desenvolvimento do modo de trabalhar à maniera italiana ("Triunfo da Bela Maneira"); a da necessidade de um discurso coerente, organizado e activo defensor dos valores da Contra-Reforma. A clientela maneirista era constituída pelo monarca, pela nobreza clerical ou leiga, pelos municípios e pelas misericórdias.

A influência das gravuras flamengas aparece já em Vasco Fernandes (Pentecostes), mas é o grupo de mestres da oficina lisboeta de Jorge Afonso que, com o Mestre de São Quintino, constitui a primeira geração de pintura maneirista portuguesa: Gregório Lopes, Cristóvão de Figueiredo e Garcia Fernandes, que legou obra extensa, anti-renascentista. Na escultura, o novo estilo desponta com mestres franceses e flamengos radicados em Coimbra, que formam discípulos (Tomé Velho, Jerónimo de Ruão) e expandes a arte dos túmulos e altares, e a estatuária de pedra em que a figura aparece por vezes agitada Hodarte.

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